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Algemas soltas e ausência de policiais penais: relatório revela tentativa de atentado a juiz durante inspeção em presídio de MT

Policiais penais e diretores da penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira, mais conhecida como Ferrugem, em Sinop, a 503 km de Cuiabá, são apontados por envolvimento em suposta tentativa de atentado a um juiz durante inspeção na penitenciária para que não se descobrisse a série de violações de direitos dos reeducandos que ocorrem dentro da unidade. É o que revela um relatório do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativao (GMF) do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT).

Algemas soltas em reeducando apontado como chefe do Comando Vermelho e ausência de policiais penais perto da sala de audiência são indícios, segundo denúncia, para que ele se rebelasse contra o juiz e o promotor de Justiça. Porém, o reeducando confidenciou, durante depoimento, a suposta conspiração após balançar as mãos diante do magistrado e as algemas caíram no chão (veja imagem do momento abaixo).

A Secretaria Estadual de Justiça (Sejus) informou, em nota, que recebeu o relatório na sexta-feira (12), e que instaurou, ainda em novembro, uma apuração conduzida pela Corregedoria-Geral para verificar a situação na penitenciária.

A Sejus disse que não coaduna com nenhum tipo de abuso ou prática criminosa e caso seja confirmado, serão adotadas as medidas cabíveis para a devida responsabilização. A secretaria destacou ainda que, neste ano, não recebeu nenhuma denúncia de tortura e citou um episódio de princípio de motim por parte dos reeducandos que teriam tentado destruir as celas.

A reportagem tenta localizar a defesa dos outros envolvidos e, também, procurou o Sindicato dos Policiais Penais de Mato Grosso (Sindsppen) também foi procurado, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

A denúncia de suposto atentado surgiu durante uma audiência de inspeção no dia 30 de outubro para ouvir os reeducandos sobre a situação no presídio.

O reeducando que revelou a conspiração disse que o plano, segundo depoimento, teria sido encomendado pelo diretor do presídio e teve a participação do subdiretor, considerado seu braço direito. O objetivo da ação seria para “deslegitimar os relatos de violência prestados por outros presos durante a inspeção”.

Para que esse plano fosse executado, ele teria as algemas soltas, tanto da mão quanto do pé, para se rebelar contra o juiz. Mas tudo isso mediante a promessa de receber regalias dentro do presídio, como a transferência para o Raio Evangélico, onde os reeducandos têm certa autonomia, e a garantia de uma vaga em trabalho externo, que é raro na unidade, conforme o relatório.

Reeducando mostra algemas soltas durante audiência para provar suposta conspiração em MT — Foto: TJ-MT e GMF

Neste momento, o juiz solicitou a presença dos policiais penais na sala, que são responsáveis por conduzir os custodiados. Porém, não havia nenhum policial penal próximo da sala, o que evidenciou a quebra de protocolo de segurança que até então estava sendo rigorosamente cumprido pelos agentes.

“Os indícios são de que os policiais saíram deliberadamente para deixar que o reeducando atentasse contra as autoridades. Inclusive o reeducando relatou que eles o deixariam entrar com um estilete (“chucho”) na sala de audiência, só que ele preferiu não fazer”, diz trecho do relatório.

O magistrado, bastante incomodado com a situação e considerando que o clima estava realmente tenso, optou por retornar a Cuiabá com a equipe ainda à noite, logo após o término dos depoimentos.

Por volta de 3h daquela madrugada, na MT-10, em Rosário Oeste, o carro oficial da Justiça foi surpreendido por uma caminhonete de vidro fumê, que passou à frente deles e freou bruscamente, tentando interceptar o carro da Justiça ao parar no meio da rodovia.

Porém, o motorista do carro da Justiça conseguiu parar a tempo e apagou todas as luzes, encostando o carro perto de uma área de mata, e permaneceu parado no escuro, escondido.

A caminhonete saiu do meio da pista e permaneceu parada num ponto mais longe cerca de 20 a 30 minutos, e depois deixou o local em alta velocidade.

Por alguns quilômetros, o carro da Justiça andou com os faróis apagados para despistar a caminhonete suspeita. O magistrado disse que, em 26 anos de carreira, foi a primeira vez que passou por situação parecida.

“Ainda que, neste momento, não seja possível afirmar com certeza a participação direta de agentes estatais nos fatos ocorridos fora do ambiente prisional, a sucessão de episódios atípicos, em curto espaço de tempo, associada às quebras de protocolo de segurança dentro da unidade, afasta a ideia de mero acaso. Coincidência ou não, o registro que se faz é o de que o magistrado e os servidores efetivamente se sentiram intimidados e sob risco”, apontou o relatório.

 

Violações no presídio

A inspeção revelou, no documento, uma prática sistemática e institucionalizada de tortura e de tratamento desumano, cruel e degradante, associada à consolidação de um poder paralelo voltado ao exercício de “justiça própria” dentro da unidade.

Os reeducandos relataram vários episódios de humilhações, uso abusivo de spray de pimenta, tiros de borracha e até mordida de cães como medida disciplinar.

A equipe de inspeção verificou visualmente que quase todos os reeducandos ouvidos no Fórum tinham cicatrizes (antigas) e lesões ou feridas (recentes) de balas de borracha, segundo o relatório.

“A análise dos depoimentos dos presos, aliada ao material videográfico das câmeras e apreensão das munições, demonstra que a utilização dos disparos ocorreu sem respaldo em justificativa plausível, ou em resposta a situações de natureza irrisória e manifestamente desproporcionais. Este padrão de conduta por parte dos policiais penais aponta para o uso dos tiros como um meio de aplicação de castigo pessoal ou como medida disciplinar de caráter preventivo”, diz trecho do documento.

O relatório apontou ainda que os policiais penalizavam os detentos confinados ao lançarem o spray de pimenta diretamente para o interior das celas superlotadas através da “boqueta”. “Essa conduta resultava na exposição forçada e em massa dos presos ao agente químico, sem qualquer possibilidade de fuga ou mitigação dos efeitos”, disse.

Mordida de cães

O emprego de cães de ataque revelou-se um vetor recorrente de lesões corporais e violência institucional. Vários foram os detentos que relataram uso indevido de cachorros O reeducando apresentou à equipe de inspeção uma lesão profunda e nítida na região glútea, com marcas características de mordedura, evidenciando que o animal foi utilizado como arma de coerção física durante o procedimento.

As imagens das câmeras de segurança corroboram o uso ostensivo e intimidatório de cães, registrando, inclusive, momentos em que os animais são instigados a avançar contra os detentos. Uma das imagens mostra o cachorro já com a boca aberta para morder o preso (veja abaixo).

Cão se prepara para morder reeducando em penitenciária em MT — Foto: TJ-MT e GMF

Os presos relataram que por vezes os policiais penais inserem “um cachorro no bebedouro de água”. Imagens das câmeras de segurança registraram um dos policiais levando o cão para dentro do reservatório de água, de acordo com a inspeção.

Poucas horas depois, segundo o relatório, os detentos aparecem bebendo a água deste mesmo reservatório em que o cachorro havia entrado antes, obrigando-os a consumirem água imprópria.

O Noroeste

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